O que é a cibercultura senão a (mais recente) fronteira da Noosfera

EDUCAÇÃO E SOCIEDADE EM REDE





Será que a responsabilidade individual ou a grupal possibilitarão a filtragem preservadora daquilo que constitui o património cultural essencial da sociedade humana?
Antóno Teixeira, UC12019 UAB 2019.



A Cibercultura – conceito elaborado por Pierre Lévy:  

Cibercultura.[1]  Termo polivalente empregue na descrição do resultado da «interconexão mundial de computadores» (Lévy, 1999) que possibilitou a existência de uma grande rede de comunicação na qual cada nó é fonte de diversidade, abordagens e discussões - tudo numa permanente renovação e ampliação.



A responsabilidade individual na Era do conhecimento partilhado em rede:  

Desde os anos noventa, acompanhando o devir tecnológico, Pierre Lévy tem pensado o impacto da electrónica, informática e telecomunicações e sempre lhes vislumbrou um feliz futuro comum, capaz de «iluminar» e guiar a humanidade.

Este optimismo histórico pressupõe a decisiva tese de que a totalidade do conhecimento humano[2]  não só radica na soma dos contributos de cada individuo como  a irá exponenciar (no sentido de crescimento exponencial), atingindo níveis de complexidade e desempenho superiores.

No alvor do terceiro milénio, Pierre Lévy vislumbrou estarmos perante uma situação radicalmente distinta na história da humanidade pois, agora, o Conhecimento passou a funcionar em rede aberta - criando um ciberespaço onde as inteligências individuais não só são somadas e compartilhadas por toda a sociedade, como são multiplicadas, e multiplicam a si mesmas, a partir do surgimento de novas tecnologias de comunicação equiparadas à Internet.



A expansão da rede comunicacional, emanicipação do individuo:  

Para compreendermos o processo, Lévy propôs-nos uma cronologia compreensiva. A primeira grande revolução na história da comunicação foi a invenção da escrita, que levou a uma sociedade mais hierarquizada, dividida entre aqueles que sabem ler e escrever e aqueles que não sabem.

A segunda grande revolução, a invenção do alfabeto, dos algarismos arábicos com o número zero e a invenção do papel pelos chineses.

A terceira grande revolução, a invenção da imprensa e, na sequência, rádio e televisão e que automatizaram a transmissão da linguagem e de símbolos.

Actualmente, vivemos num novo sistema de comunicação onde toda informação é acessível e omnipresente: todos os indivíduos estão interconectados e máquinas/robots transformam automaticamente símbolos, fazem traduções ou cálculos estatísticos.

“Em vez de desenvolver máquinas inteligentes [i.e., máquinas com inteligência artificial], deveríamos usar os computadores para nos tornar mais inteligentes”.[3]

Nos últimos anos, Pierre Lévy tem trabalhado numa linguagem artificial que possibilitará aos humanos conversarem directamente com máquinas sem o intermédio da programação: a IEML (sigla em inglês para Metalinguagem da Economia da Informação)[4]  será semântica computável de significado unívoco (cada palavra significa uma coisa só, sem ambiguidade) para permitir computação e oferecer operabilidade semântica para dados, algoritmos, raciocínio automatizado... e que nos colocará na «derradeira fronteira» da Noosfera: a Cibercultura.



A quadrúpla forma de entender o conceito Cibercultura:  

Porque é um conceito polivalente, podemos encontrar pelo menos 4 formas de elaborar/usar o conceito cibercultura (Lévy, 1999): a utópica, informativa, antropológica e a epistemológica:

Quando trabalhado de forma utópica, o conceito refere-se aos novos média e como estas influenciam a sociedade, formando subculturas. Quando analisado sob o aspecto informativo, refere-se a um conjunto de práticas culturais, que permite novas formas de transmitir-se informação. Quando elaborado do ponto de vista antropológico, refere-se a um conjunto de práticas culturais e estilos de vida gerados pelas TIC (subculturas digitais). Epistemologicamente, o termo é usado para teorizar os novos média e as suas praxis sociológicas.

Para todos os efeitos, a cibercultura surgiu com a interconexão mundial de computadores que derivou numa grande rede de comunicação, na qual cada nó é fonte de heterogeneidade e diversidade, abordagens e discussões, ambos em permanente renovação e ampliação.



A emanicipadora Cibercultura:  

A rede de computadores é “universal e sem totalitarismo” porque permite a todos os que estiverem ligados, construir e partilhar inteligência colectiva, sem se submeterem a constrangimentos político-ideológicos. A Internet é, acima de tudo, um agente humanizador porque democratizadora da informação, e humanitário, porque permite a valorização das competências individuais e a defesa dos interesses das minorias.

O cidadão ligado à Web, diz-nos Pierre Lévy, terá condições para interferir directamente no controlo das decisões públicas sem mediadores, o que poderá ajudar a descentralizar, democratizar e optimizar os serviços públicos. E se a Internet possibilita contactos mais frequentes e produtivos, é porque aproxima os actores sociais antes mesmo dos acontecimentos colectivos acontecerem - e aqui reside o seu papel ou sentido humanizador…



Exemplos paradoxais de Cibercultura:

Após 2015 surgiram nas sociedades complexas e politicamente democráticas, comunidades digitalmente ativas e politicamente intervenientes tal como o antevisto por Lévy: sem hierarquias e descentralizadas, baseadas em contactos frequente P2P mas orientadas para a acção e, por vezes, mobilizadoras de flash mobs.
Os exemplos mais críticos surgiram em pelos menos 3 ambientes/ferramentas web:
Tinder
Twitter ou Facebook
GAB[5]  
Ainda sem dados abundantes mas já será pertinente tecer uma leitura semiológica dos efeitos da tinderização dos relacionamentos interpessoais que já alteraram significativamente as estratégias de namoro, fidelidade e relacionamento.

Sociologicamente, o uso das redes Twitter, Facebbok e GAB perimitiram o surgimento do nada de comunidades e movimentos ligados à Alt Right numa dinâmica que já alterou a cena política norte americana, brasileira e parte da Europa

Para aflição nossa, as tomadas de posição de Pierre Lévy relativas a este pós-2015 não estão online.


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Referências bibliográficas e anotações:  

[1] Lévy, P.(1999). Cibercultura. São Paulo, Editora 34.


[2] Teilhard de Chardin entendia a Noosfera como  a integração de todo o pensamento humano em uma única rede inteligente que acrescentará mais uma camada em volta da Terra (o mundo das ideias, formado por produtos culturais, pelo espírito, linguagens, teorias e conhecimentos. Conceptualmente,  a noosfera seria a terceira etapa no desenvolvimento da Terra, depois da geosfera (matéria inanimada) e da biosfera (vida biológica). Cf. Chardin, T. (1960). The Divine Milieu, New York, Harper and Brothers.

[3]   Lévy, P. (2019, 9 Setembro). Tecnologia pode tirar ciências humanas da Idade Média. Folha de São Paulo. Consultado em https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/09/tecnologia-pode-tirar-ciencias-humanas-da-idade-media-diz-pierre-levy.shtml 

[4] Para ilustrar o que será uma linguagem IEML temos o https://intlekt.io/?index que funciona como um dicionário.

[5] GAB: A social network that champions free speech, individual liberty and the free flow of information online. All are welcome.In https://gab.com. Em Outubro de 2018 foi noticiado: “A rede social Gab.com foi derrubada após a revelação de que Robert Bowers usou o site para ameaçar judeus. Bowers é o principal suspeito por matar 11 pessoas e deixar mais 6 feridas em uma sinagoga em Pittsburgh (EUA) durante a manhã de sábado (27)” – “Gab, a rede social da extrema-direita, foi derrubada da internet” in  https://www.tecmundo.com.br/seguranca/135671-gab-rede-social-extrema-direita-derrubada-da-internet.htm 

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